Antropoceno

O Antropoceno, designação para uma nova era geológica, posterior ao Holoceno, assinala o impacto tremendo e titânico da espécie humana na Terra, aqui antes de mais recebido como um termo operativo contra qualquer noção antropocêntrica. Ao contrário de uma solidificação do estatuto humano e da consideração de um desdobramento definitivo das suas capacidades prometeicas, compreende-se aqui, com a consolidação da era do Antropoceno, a sua última abertura e acessibilidade, a sua possibilidade extrema de se abrir para outras ainda desconhecidas eras geológicas. Um início para o Antropoceno ainda não foi plenamente decidido e nem definido, embora geralmente esteja dividido em três incidências históricas, socioeconómicas e patológicas da modernidade: a exploração colonial escravista de humanos, animais e plantas, iniciando-se com a apropriação de territórios nas chamadas Índias Orientais e Ocidentais a partir de colonização do planeta pela razão mercantilista; a Revolução Industrial propulsionada pela massificação e uniformização do trabalho e pela exploração sistemática de todas as fontes energéticas e vitais com o seu início final do século XVIII; a Grande Aceleração situada na segunda metade do século XX, um incomparável aumento de produção industrial, técnico-científica e capitalista que contamina a inteira esfera global com os seus resíduos antropogénicos. A consideração da força antropogénica como maior impacto na inteira ordem e informação, deformação e transformação do planeta com os seus incontáveis ecossistemas, põe pela primeira vez o humano no centro das responsabilidades. Pela primeira vez na história da humanidade a sua força e vontade apropriadora é perceptível e mensurável na inteira esfera global, deixando restos e traços da sua actividade em todos os lugares, mesmo nos mais remotos, inatingíveis para a maior parte dos humanos. Em 2020, pela primeira vez, a massa construída pela espécie humana ultrapassa a quantidade da biomassa do planeta. O Anthropos na era do Antropoceno é finalmente o maior responsável das transformações e degradações da biosfera planetária. Já não há nenhuma responsabilidade transcendental ou natural que pode compensar a responsabilidade provindo do humano, da espécie na sua totalidade, não apenas como ideia, mas como o total de indivíduos humanos agora vivos e futuramente a viver na Terra. Pela primeira vez se ratifica também a extrema solidão da espécie humana, que surgiu da sua posição antropocêntrica e solipsista expressa na sua autoproclamação como único ser ciente, o único ser reflexivo, o único ser com linguagem e o único ser que responde. Esta sua solidão, resultado do seu encapsulamento, da sua autolimitação, apenas será dissolvida na aceitação de sua total responsabilidade perante todos os outros (existentes e possíveis) viventes: uma vida ciente, que existe para além das ciências antropocêntricas e que aguarda e merece, já há muito tempo, uma multiplicidade indeterminada de respostas sencientes. O Antropoceno como último aceno e como termo operativo, para pensar o futuro das espécies, humanas e não-humanas, em comunhão com a multiplicidade indeterminada das paisagens. [DMH]