Arquitectura

Se a Arqueologia pode ser considerada, em certo sentido, como uma (cons)ciência da finitude, ou de processos e dinâmicas que se desvelam no estudo da finitude — como um escavar de memórias nas paisagens — a Arquitectura, por outro lado (e, no limite) é uma arte criadora, que inicia e contribui para instaurar, ou reiterar, complexas relações, inclusive de dominação. Arquitectura como arte técnica (ars) — a tectónica, propriamente dita — está entre os mais antigos conhecimentos da humanidade, um saber também visto em outras espécies animais, como aquelas que constroem elaboradas estruturas. Daí compreendermos que a tectónica, em amplo sentido, não é exclusiva do humano: outros seres constroem. Todavia, é característica de nossa espécie a variedade de formas edificadas e o aprimoramento técnico estrutural, que assim tornaram possíveis a sua sobrevivência e expansão na Terra. E fora dela. O maior artefato humano construído, resultante expressiva e transformadora do projetar e edificar em determinado território, desde suas remotas origens — e sempre no âmbito do saber em Arquitectura — a Cidade assim evidencia, no tempo presente, a consolidação do fenómeno urbano — ou ainda, do habitat urbano, propriamente dito — pela reprodução deste modo físico de habitar em sociedade que, desde tempos ancestrais, em culturas e geografias diversas, ultrapassou os limites e ritmos da vida aldeã. No início do século XXI, quando pela primeira vez na história, a maior parte da população mundial passa a residir em cidades, evidencia-se, em nítida imagem, essa tendência ao urbano, aos territórios urbanizados, à formação de vastas zonas urbanas, sob a forma tentacular de redes de estruturas técnicas interligadas e a profusão de acentos verticais, altos edifícios que adensam habitantes sobre tais espaços artificiais. Consolidam-se vetores significativos que influem nessa dinâmica difusa, expandindo paisagens urbanas, cujas magnitudes e complexidades de inter-relações e iteracções (económicas, sociais, ambientais etc.) impactam, em escala global, a chamada biosfera. A Arquitectura, considerada no âmbito do urbano, da (re)produção contemporânea de cidades, impõe repensar a sua práxis, no sentido de ultrapassar, desta vez, tudo aquilo que nela há de predatório, sobre o ambiente e sobre os seres, violências visíveis que marcam o Antropoceno, uma época de produção de ruínas: não mais arquitecturas subjugadas por determinantes espetaculares, que amplificam a ambivalência da transformação criadora / destruidora de paisagens. No usufruto de tantas potencialidades tecnológicas contemporâneas, reaprender-se-ia com antigos saberes, como transmitidos ainda no seio de povos originários, em que a finitude e a transcendência é considerada de certo modo, e que o antigo conceito vitruviano de firmitas, que pressupõe a permanência, pode ser reiterado como imanência de uma arquitectura promissora e propícia à vida como um todo, além do humano e do indivíduo, em sua dimensão efémera. [SLC]