Território

O território é uma parte térrea sujeito a sua apropriação e esta é sempre resultado de uma intervenção de algum organismo específico, capaz de sobrepor o seu elã vital a qualquer outra forma e força de vida, presente no mesmo ambiente geofísico. Apesar da impossibilidade de diferenciar nitidamente entre as diversas expressões vitais, aqui designados como agentes de territorialização, e apesar da impossibilidade de diferenciar definitivamente entre agentes humanos e não-humanos, a força territorializante da espécie humana é hoje em dia quase absoluta e efetivamente inatingida por qualquer outra forma orgânica. Mesmo sendo possível de considerar a existência e atividade biótica dos seres unicelulares como força originária e equilíbrio fundamental de todos os outros organismos na Terra — assim também o micro-bioma do próprio organismo humano — não é possível comparar este agenciamento com a atividade invasora e predatória dos organismos pluricelulares designados como humanos. Enquanto os micróbios sustentam e proliferam o processo vital desde os inícios da vida na terra, a espécie humana é afinal mais parecida com as moléculas virais, que invadem um território determinado para se apropriar das suas fontes vitais com o único fim de se replicar com a máxima eficiência e transmigrar a sua informação genética para outro território antes de destruir por completo o corpo invadido e ocupado. Este cenário, porém, se mostra em expressões muito complexas enquanto se trata de grupos, tribos e povos culturalizados e socialmente organizados. A ocupação de um certo território por um determinado grupo e a apropriação dos seus recursos animais, vegetais e minerais é sempre intimamente ligado e dependente de um ethos, de uma forma específica de habitar, sustentada por um direito ou uma violação de um direito radicado em alguma ocorrência temporal-histórica. No contexto da época moderna e em geral no contexto dos processos civilizatórios historicamente relatadas, o território é primeiramente um lugar circunscrito geograficamente, com limites mais ou menos fixados e sempre em estreito contraste com outros espaços igualmente dominados e circunscritos. Estes territórios estão continuamente em disputa, sujeitos de atividades territorializantes, desterritorializantes e reterritorializantes, como, por exemplo, devido a causas climáticas e puramente naturais ou devido ocorrências puramente sociais, como matrimónios, contratos de associação e dissociação ou guerras. A territorialização ou apropriação de terra, porém atinge uma dimensão completamente desconhecido na época moderna e significativamente com a assim chamada descoberta das terras transatlânticas, chamadas como o Novo Mundo, a Índia Ocidental ou as Américas. Inicia-se com o alvor do mercantilismo a colonização radical de territórios considerados como desabitados, no sentido de que os povos originários destas outras terras não teriam nem a capacidade nem o direito de habitar os próprios territórios, já que, no entender dos colonizadores, nem se comportavam e nem apareciam como humanos, mas sim como 'meros' animais. Estes territórios denominados nos mapas antigas como 'terras incógnitas' ou 'manchas brancas' se tornaram assim verdadeiros 'buracos negros' para os seus habitantes originários, territórios cada vez mais inabitáveis porque desapropriados e devastados pelos novos invasores. O conceito do território se revela assim como um conceito complexo que transcende um mero significado geográfico e material esvaziado de qualquer sentido atmosférico e imaterial. Apesar da sua constituição cultural, histórica e política, o território coincide em determinados aspectos com a inconsistência e inconstância das paisagens que se constituem através da comunhão com os múltiplos corpos humanos e não humanos por eles perpassados e povoados. Estes territórios-paisagens possuem os seus laços inextinguíveis com as emanações vitais e espirituais específicas e manifestadas durante tempos imemoráveis, assim que resguardam memórias que nunca serão completamente acessíveis, ainda menos pelos invasores completamente materialistas e predatórias. O infinito conjunto dos territórios-paisagens terrestres forma aquele organismo chamado Terra, que nas suas estratificações visíveis e invisíveis nunca será mapeado pela nossa espécie, que futuramente será apenas mais um traço entre tantos incontáveis passos desaparecidos. [DMH]