Antropocênica 3

Portugal e Cabo Verde 2024


Em continuidade com as reflexões decoloniais elaboradas na Antropocênica, três efemérides significativas apresentam-se em 2024 como horizonte simbólico e reflexivo neste terceiro encontro da série internacional, a saber: o centenário do nascimento de Amílcar Cabral (1924), o cinquentenário da Revolução dos Cravos (1974) e os 530 anos do Tratado de Tordesilhas (1494). Diante dessa oportunidade, propomos como tema da Antropocênica 3 o título “Terra: Resistência e Reexistência”, no sentido de amplificar e enfatizar o foco crítico essencial da série durante sua jornada trienal: a compreensão dos problemas e impactos na Terra, transformada pela agência humana em processos múltiplos de exploração colonial e extrativista na história, leva-nos a repensar a nossa existência no planeta, o que nos provoca ao ativismo como forma potencial de resistência contra a hegemonia de um sistema predatório. As palestras proferidas por Amílcar Cabral em 1969 e publicadas sob o título Análise de Alguns Tipos de Resistência, instigam o novo encontro da série a refletir sobre as formas de resistir, para superar a condição de vida imposta pelo capitalismo: resistir para propor formas de reexistir no mundo.


O referido título engloba dois dos conceitos centrais do pensamento e da ação de Amílcar Cabral, na teoria e na prática militante: Terra (1) compreendida não apenas enquanto entidade geológica, mas sobretudo em relação com os territórios africanos, libertados da opressão e domínio coloniais, quando formas de Resistência (2) revolucionária se configuraram e prevaleceram até a libertação do poder colonial português em 1974.


Ambos os termos – Terra e Resistência – são retomados no presente com ênfase na essência revolucionária, considerados nas lutas existentes das várias comunidades e grupos populacionais marginalizados e oprimidos, sobretudo em países do chamado Sul Global, marcados pela história da expansão colonial na modernidade, iniciada pelas navegações dos portugueses. Hoje vemos a importância da autodeterminação territorial para as diversas comunidades e etnias, como condição básica para garantir as suas existências. Assim, resistir torna-se um ato de luta pelo direito aos territórios ancestrais, habitados por sucessivas gerações no tempo, e ameaçados pelo avanço da exploração predatória capitalista da Terra e seus seres.


Ao mesmo tempo, porém, a resistência atual não pode ser concebida sem a urgência de uma mudança global de paradigma – uma mudança teórica e prática na forma como habitamos e existimos no planeta – que responda às necessidades locais e regionais de diversas comunidades em suas paisagens culturais. A resistência da Terra e a resistência dos povos que lutam para defender e sobreviver em seus antigos lugares é hoje, mais do que nunca, uma forma de resistência global, que ultrapassa as considerações meramente políticas dentro das fronteiras nacionais, para se pensar um futuro diverso, de respeito mútuo entre humanos e não-humanos, uma comunidade global entre seres, uma Reexistência, não mais subjugada pela hegemonia capitalista.


Consideramos a atualidade dos conceitos Terra, Resistência e Reexistência para a necessidade de trespassar o antropocentrismo do Antropoceno e assim repensar a existência global de nossa espécie no planeta, os impactos de um modo de vida urbano, submetido ao capitalismo no mundo. Convocamos a reflexão sobre “as cenas do drama humano no teatro do mundo em mutação”, drama este que envolve todas as formas de existência. Desde o início da série, ao retomarmos a metáfora da Terra como Teatro, expomos a crítica ao poder da tecnologia, direcionado na modernidade para fins de domínio geopolítico em amplo sentido, isto é, o domínio de Gaia-Pachamama, reduzida a um mero teatro de operações capitalistas, em que todos os seres são envolvidos pela complexa dinâmica de transformação do mundo, um drama histórico com atores protagonistas do sistema predatório (corporações transnacionais e estados-agentes nacionais), com atores que resistem (organizações sociais críticas, personagens ativistas, etnias oprimidas), com atores figurantes consumistas e espectadores submetidos à sociedade do espetáculo, entre outras relações possíveis abertas por esta metáfora.


Antropocênica 3 quer propiciar o diálogo de ideias que identifiquem perspectivas de resistência dos seres como agentes políticos. Neste sentido, a reflexão que se deseja convoca a urgência da ação – e dos ativismos críticos – tanto como estratégia de resistir, quanto como proposição para reexistir em paisagens profundamente transformadas pelo capitalismo na época de produção de ruínas na Terra.


Em breve o programa completo estará disponível na esfera abaixo:

Comissão Executiva

Antropocênica 3

Portugal e Cabo Verde 2024

César Schofield Cardoso

Fotógrafo e Cineasta

Dirk Michael Hennrich

Filósofo . Centro de Filosofia . Universidade de Lisboa

Maria da Conceição Lopes

Arqueóloga . Centro de Estudos em Arqueologia, Artes e Ciências do Património . Universidade de Coimbra

Odair Barros-Varela

Cientista Político, Internacionalista e Sociólogo . Universidade de Cabo Verde

Silvio Luiz Cordeiro

Arquiteto . Centro de Estudos em Arqueologia, Artes e Ciências do Património . Universidade de Coimbra